Breve análise dos sites de tecnologia brasileiros

Se tivesse que justificar a razão de existir do Manual do Usuário, diria que é publicar coisas diferentes do que outros sites de tecnologia publicam. O que nos leva à pergunta inevitável: o que os outros sites de tecnologia publicam?

Tenho uma boa ideia, é claro. Uns acompanho de perto, outros de longe, sempre dou uma passadinha em todos para… digamos, “monitorar a concorrência”.

Durante seis dias em 2023 (31/8 a 5/9), porém, fiz uma incursão que se pretendia metódica em cinco dos maiores sites especializados em tecnologia do Brasil. Com a ajuda de um agregador de feeds, capturei, rotulei e categorizei tudo que eles publicaram naquele intervalo.

A primeira surpresa (ingrata) da análise foi o volume de publicações: 1.193 posts, uma média de 238,6 por site, o que resultou em 47,7 posts por dia.

Quem lê quase 50 posts de um único site por dia? É, nem eu.

A média, até eu sei, não reflete os números individualizados. Em uma ponta, temos Canaltech (330 posts no total, 55/dia) e Olhar Digital (total de 442, 73,7/dia!!!); na outra, Tecnoblog (42, 7/dia). Fecham o rol de sites analisados Giz Brasil (antigo Gizmodo Brasil) e Tecmundo.

Acho seguro afirmar que é raro, se é que já ocorreu, um dia com 50 (ou 73,7, haha) acontecimentos em tecnologia dignos de nota. O que explica números tão elevados? É o que iremos descobrir!

Não é um fenômeno novo: ele está relacionado a expansões esquisitas da linha editorial. Entre notícias de produtos, escândalos de privacidade digital e coisas do tipo, que alguém espera que esses sites repercutam, começaram a aparecer posts de filmes de bonecos da Marvel (“cultura nerd”), conteúdo de futebol, anúncios formatados como conteúdo editorial…

Qualquer um que acompanha esses sites já sacou o alargamento da área de cobertura. Este levantamento é uma tentativa de mensurá-lo e de entender melhor o que motiva um site de tecnologia a postar o horário em que o jogo Corinthians contra XV de Piracicaba passará na TV.

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O Giz Brasil, que reformulou o site em outubro de 2023 para adotar “uma pegada mais clean”, é — de longe — o mais prolífico em posts-anúncios com links de afiliados de lojas como Amazon e AliExpress. Esses posts-anúncios representam 43,6% do total de posts da amostragem analisada (veja a tabela completa no final). De tecnologia mesmo, apenas 11,5%, o menor índice entre os cinco sites.

Puxo este assunto logo de cara porque é o mais problemático. Ainda que os posts sejam sinalizados e haja um fator de utilidade neles, é uma mistura meio indigesta para quem busca informações e notícias. Se eu quisesse ver promoções, abriria o site do Promobit, Gatry, Pelando, sei lá.

Outro tipo de conteúdo ligado ao modelo de negócio desses sites — todos eles dependentes da maximização da audiência para exibir anúncios, aliás — é o dos tutoriais para almas desacreditadas que perambulam no Google.

São textos que têm títulos que lembram muito o que alguém escreveria na caixa de pesquisa de um buscador web — não por acaso —, que dialogam com um leitor que não é audiência, é só alguém clicando loucamente em resultados do Google para resolver um problema o mais rápido possível.

Novamente, há valor nesse tipo de conteúdo, porém não muito para leitores assíduos. Acaba que o site escreve para dois públicos, um recorrente (audiência fiel) e outro difuso (perdidos do Google).

Em proporção, o Tecnoblog é que mais pública tais tutoriais — 14,3% do total. Imaginava que o volume ali — nos cinco sites, na real — fosse maior. Em dois deles, pelo contrário, são proporcionalmente irrisórios — 1,2% no Tecmundo e 0,9% no Giz Brasil.

Tive muita dificuldade para batizar a categoria de “cultura nerd”, primeiro porque sei lá o que significa “cultura nerd”, segundo porque, qualquer que seja o significado, não abarca as características desses posts.

No fim, correndo o risco de ofender a cultura, dei o nome de “cultura” mesmo. Afinal, trata-se de um recorte específico de cultura — aquela enlatada, com preço e impulsionada por campanhas de marketing multimilionárias.

Quase 1/4 do conteúdo publicado pelo Tecmundo (24,8%) é disso, de “cultura nerd”. Justiça seja feita, não faz muito tempo a NZN, que publica o site, reuniu outras verticais, incluindo o Minha Série, sob a marca do Tecmundo. Deve ter sido para melhorar o SEO ou algo assim.

Para quem lê o site, resta a estranheza de ver posts de filmes da Netflix, números de bilheteria da Marvel, novas temporadas de séries ruins etc. entre os “mais lidas” em um site de… tecnologia.

Agora, o que mais me pegou foram os posts de “esportes” que Giz Brasil e Olhar Digital publicam, como este e este. De verdade, não sei nem o que dizer.

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Na segunda (8), entrei em contato com os cinco sites pedindo uma entrevista e adiantando as perguntas, caso quisessem responder por e-mail mesmo.

(O e-mail enviado ao Olhar Digital, no endereço da redação que consta nesta página, deu erro e voltou.)

Infelizmente, ninguém retornou. Seria legal ouvir o outro lado. As perguntas que enviei, inofensivas e acompanhadas das descobertas da minha análise, foram estas:

  1. Qual a interpretação que vocês fazem dessa análise independente do editorial do site?
  2. O comercial influencia no editorial? Se sim, de que maneiras?
  3. Como vocês avaliam a cobertura de tecnologia de consumo/pessoal no Brasil?

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Não estou tentando bancar o ombudsman de redação alheia, não.

É muito difícil manter um site especializado em tecnologia no Brasil (acredite), mas, de alguma maneira, esses cinco conseguem, e muito bem: eles têm estrutura, equipes, (imagino que) pagam as contas.

O que minha análise mambembe, um pequeno retrato no espaço-tempo da cobertura de tecnologia no Brasil, demonstra, são indícios de uma influência descabida de modelos de negócio em decisões editoriais.

Mais que abrir um buraco no muro Estado–Igreja que deveria separar comercial e editorial, suspeito que isso impacte o potencial desses sites. Mesmo grandes e conhecidos, há escassez de reportagens exclusivas, de análises aprofundadas, de apurações minimamente complexas — de conteúdo próprio, que não seja repercussão do que outros veículos publicam ou de release de empresas.

É só uma hipótese, mas talvez o tempo que seria empregado nisso, que não é pouco, esteja sendo ocupado com a escrita de tutoriais para o Google e posts-anúncios de air fryer e iPhone em promoção na Amazon.

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Antes que eu me esqueça, a tabela geral (e, sim, eu sei que ficou feia e meio difícil de entender):

Tabela com a classificação e totais de cinco sites de tecnologia brasileiros analisados pelo Manual.
Tabela: Manual do Usuário.

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Este levantamento foi possível graças a uma conta abandonada do Feedly, que reativei para segurar o rojão de +1 mil posts em cinco dias e não bagunçar o que uso no dia a dia, uma planilha eletrônica e doses cavalares de paciência. (Não à toa, levei quatro meses para publicar isto.)

A categorização dos posts foi feita com base nos títulos (todo mundo tem seus dias de leitor de títulos) e, hahaha, totalmente arbitrária. Batia o olho, deduzia o assunto e pá, atribuía uma categoria. Quase dispensável dizer, a base de dados provavelmente contém alguns erros e a categorização, por ser às vezes subjetiva e — repito — feita a partir da leitura dos títulos, deve ter também.

Os recortes e insights do texto acima foram obtidos com meus parcos conhecimentos em Excel, à base de muitos CONTAR.SE e uns filtros automáticos super úteis para gente que não sabe usar o Excel direito.

Por isso, achei que seria legal compartilhar o arquivo *.csv com os dados brutos. Cada linha traz a data do post, título, URL, categoria, se foi assinado ou não e, caso, sim, o nome de quem escreveu.

Tenho certeza de que gente mais esperta do que eu é capaz de extrair mais coisas interessantes dali. Se você conseguir, comente aí embaixo.

Atualização (15h30): O publisher do Giz Brasil/F451, Caio Maia, entrou em contato após a publicação desta matéria. Rolou um desencontro na minha tentativa de contato com eles. Solícito (como sempre é), Caio respondeu as minhas perguntas:

Qual a interpretação que vocês fazem dessa análise independente do editorial do site?

Análise no padrão Ghedin, nenhuma crítica ou queixa daqui. Há algum tempo percebemos que “tecnologia”, mesmo que amplamente falando, é uma área disputada por muitos, e que até por isso acaba favorecendo quem posta mais. A equipe do Giz é pequena, portanto optamos por fortalecer a cobertura em que nos destacamos, e ao mesmo tempo em ampliar os assuntos. Há algum tempo a F451 experimenta com temas análogos nos sites, temas que podem interessar ao nosso leitor mesmo que em princípio não tenham a ver com o assunto que cobrimos originalmente. A cobertura de futebol, por exemplo, é uma dessas tentativas.

Sobre os posts de ofertas: algumas camadas nessa questão, mas a principal, o ponto de vista do leitor, é que quem lê o site hoje em dia não chega nele pela home, ou seja, pro leitor tanto faz a porcentagem de posts de ofertas porque ele não vê esse “todo”. A equipe de ofertas é do Comercial, portanto não produzimos menos editorial por causa desses posts. E algo que nos surpreendeu: o leitor vê utilidade e gosta desse tipo de post. Nossa audiência cresceu por causa deles também nos posts editoriais.

O comercial influencia no editorial? Se sim, de que maneiras?

O comercial não influencia diretamente o editorial, nem tem licença para falar com o editorial. O que pode acontecer é que estamos sempre buscando assuntos que interessem ao leitor, e muitas vezes essa busca é a mesma do anunciante.

Como vocês avaliam a cobertura de tecnologia de consumo/pessoal no Brasil?

Com sinceridade, e vivendo a nossa vida por aqui, preferimos não avaliar a cobertura dos outros. A vida de veículo no Brasil é complicada, e cada um se vira como pode pra se manter vivo e relevante. A gente busca se diferenciar, mas entendemos quem busca fazer mais, as vezes muito mais, do mesmo. Entendemos, ainda, que não há no Brasil uma cobertura aprofundada de tecnologia no mainstream. Não sabemos se há público pra isso.

Foto do topo: John Schnobrich/Unsplash.

Fonte


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Fonte: https://manualdousuario.net/
Breve análise dos sites de tecnologia brasileiros Breve análise dos sites de tecnologia brasileiros Reviewed by MeuSPY on janeiro 13, 2024 Rating: 5

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