Imagens gravadas na primeira semana de dezembro em uma operação do Ibama na terra indígena Sai-Cinza, em Jacareacanga, sudoeste do Pará, mostram como a mineração ilegal avança rapidamente sobre áreas protegidas da Amazônia. O barranco — como é chamada a área desmatada para exploração de ouro — soma quase quatro quilômetros quadrados, mais de duas vezes a área do Parque Ibirapuera, em São Paulo.
O vídeo foi entregue ao Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center por uma fonte anônima, e compartilhado com o Intercept para publicação. O imenso garimpo ilegal registrado no vídeo demorou apenas dois anos para corroer a imensa área encravada no meio da floresta.
Imagens de satélite cedidas pela Earthrise Media, uma agência não-governamental dos Estados Unidos, mostram que os primeiros sinais desse garimpo começaram a surgir em julho de 2019. A área do garimpo ilegal foi calculada a partir dos dados de desmatamento anual levantamentos pelo sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe. Entre agosto de 2019 e julho de 2020, o garimpo tomou 2,9 quilômetros quadrados. Desde então, ele avançou e ocupou mais 1,07 quilômetro quadrado.
Com dois minutos de duração, o vídeo mostra um sobrevoo em parte do garimpo ilegal. Ele é tão extenso que mal é possível perceber que ali existia parte de um igarapé, o Joari. O rio é um dos que está sendo destruído pelo garimpo: 3,62 quilômetros quadrados de sua área já foram afetados pela mineração ilegal. Os dados são de um estudo do Greenpeace Brasil, que também revelou que pelo menos 632 quilômetros de rios das terras indígenas Sai-Cinza e Munduruku foram ocupados pela mineração ilegal desde 2016. Apenas em 2020, 235 quilômetros de rios foram afetados nos dois territórios.
“Em garimpos desse tamanho fica difícil até saber qual a dinâmica de exploração, se há mais de um dono, por exemplo”, me disse explica Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace na Amazônia. “O que percebemos é que o tamanho dessas instalações para exploração ilegal de ouro também é influenciado pela certeza da impunidade, que aumentou muito devido à política antiambiental do atual governo”.
Segundo Batista, há rios que correm dentro do território Munduruku que tiveram 14 quilômetros quadrados de sua de área destruída pela mineração ilegal apenas em 2020. Um comunicado do Greenpeace explica que houve um aumento de 2.278% na extensão de rios destruídos dentro da terra indígena nos últimos cinco anos.
O uso de mercúrio para separar o ouro do barro retirado do fundo dos rios traz ainda outro perigo às águas da Amazônia: a contaminação pelo metal tóxico. Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz apontou que todos os habitantes de três aldeias da Terra Indígena Sawré Muybu, da etnia Munduruku, no Médio Tapajós, no Pará, estão contaminados com o metal. A contaminação por mercúrio está associada a problemas como má-formação de bebês e doenças neurológicas.
A Constituição proíbe a mineração em terras indígenas até que haja uma lei para regulamentar a atividade. Em fevereiro de 2020, o governo federal apresentou o projeto de lei 191/2020 para viabilizar a mineração em territórios indígenas. O texto ainda não foi votado na Câmara, mas o tema conta com apoio público de Bolsonaro, o que é criticado por ambientalistas.
“O presidente Bolsonaro, ao deslegitimar com suas falas os órgãos ambientais e enfraquecê-los e, ao mesmo tempo, romantizar a atividade do garimpo, dá um sinal claro de permissividade às atividades ilegais”, me disse Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama. Isso é reforçado, segundo ela, pelo projeto de lei enviado ao Congresso – que ela classifica como “pavoroso” e “ode ao garimpo”. “O resultado não poderia ser outro: a explosão do garimpo ilegal em terras indígenas e outros locais, com destruição ambiental irreparável”.
Mesmo assim, a mineração em terras indígenas cresce, muitas vezes com a cumplicidade do governo Bolsonaro. Só na Terra Indígena Sai Cinza, onde o vídeo foi gravado, existem 11 requerimentos de mineração de ouro, mostra o mapa Amazônia Minada, do Infoamazonia. O levantamento encontrou 2.650 requerimentos em que empresas e pessoas físicas pedem autorização para minerar em terras indígenas da Amazônia Legal. O garimpo mostrado no vídeo não é um deles.
Esta reportagem faz parte do projeto Pistas do Desmatamento, que investiga os impactos ambientais relacionados a pistas de pouso clandestinas na Amazônia e que conta com o apoio da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center. Saiba mais.
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Fonte: https://theintercept.com/2021/12/04/garimpo-ilegal-sai-cinza-para-amazonia/
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