Estamos atravessando a pior crise econômica de nossa história. Não se trata de um exagero retórico. Desde que o IBGE começou a calcular o PIB do Brasil nos anos 1940, nunca havíamos tido dois anos consecutivos de queda na atividade, como vimos em 2015 e 2016, quando o produto nacional encolheu 3,8% e 3,6%, respectivamente. Também há precedente para a recuperação tão lenta da atividade econômica como a que vivemos agora. Há previsões de que o PIB per capita só voltará ao patamar observado em 2011 no ano 2023.
Esses números se refletem no aumento da população em situação de rua, das pessoas vendendo água e pipoca nos sinais, no exército de jovens entregando comida de bicicleta, nos milhões de motoristas de aplicativos, como também na multidão de gente abandonando o país.
Mas, no meio dessa tragédia, há quem esteja ganhando dinheiro vendendo lenço. Ou melhor, vendendo dinheiro. Entre abril e junho deste ano, Itaú, Bradesco e Santander, os três maiores bancos privados do país, lucraram R$ 17 bilhões, um crescimento de 17,6% em relação ao mesmo período do ano passado.
As razões para esse resultado são diferentes para cada um dos três. Mas há fatores comuns que explicam o bom resultado do trio. O primeiro é a brutal concentração bancária existente no Brasil. Esses três gigantes privados, somados ao Banco do Brasil e Caixa Econômica, respondem por mais de 80% de todos os depósitos no país.
Sem concorrentes
Não existe concorrência no setor bancário brasileiro, o que faz com que esses oligopolistas possam cobrar tarifas abusivas e spreads pornográficos. Em números: entre 2017 e 2019, as tarifas bancárias subiram em média 14%. Ou seja, apenas para fazer o serviço de guardar eletronicamente seu dinheiro sob custódia, os bancos brasileiros nos cobram valores nada insignificantes.
Além disso, são verdadeiras máquinas de ganhar dinheiro. Enquanto a taxa Selic está em 5,5% ao ano, a taxa de juros cobradas no cheque especial e do cartão de crédito passa dos 300% ao ano, em média.
Os bancos, então, captam dinheiro de duas formas: por meio dos depósitos que fazemos na conta corrente, os quais eles não pagam juros nenhum, e oferecendo aos emprestadores o pagamento de uma taxa de juros próxima a Selic.
Já a taxa que os bancos cobram de nós é determinada por diversos fatores, como os impostos que os bancos têm que pagar, a provisão feita para cobrir os empréstimos não pagos (inadimplência), o nível de atividade econômica etc. Enquanto a taxa de juros cobrada no cheque especial é de 300% ao ano, a dos empréstimos consignados em folha ou para financiamento de automóveis, cujo risco é menor, estão na casa dos 20% a 25% ao ano. Ainda assim uma taxa elevada.
Nadando em dinheiro e em lágrimas de famílias e firmas endividadas, o presidente do Itaú, Cândido Bracher, disse recentemente: “É uma situação macroeconômica tão boa que eu nunca vi na minha carreira. Tem a questão fiscal, endereçada pela reforma da Previdência. Já a inflação está bem comportada e os juros estão estáveis há mais de um ano, com tendênica de queda. E não temos dependência externa já faz um tempo. E o desemprego está em 12%, o que significa que podemos crescer sem criar pressão inflacionária”.
Bracher soa como seu xará, personagem de um romance de Voltaire, que acreditava que tudo sempre ia da melhor maneira possível. Mas enquanto o Cândido de Voltaire sofria em vida, Bracher se delicia com os brioches exclusivos da mais alta elite financeira.
A porta giratória do mercado financeiro
A política de um país é determinada pelo poder de pressão dos diferentes grupos de interesse. Há o lobby das igrejas, dos servidores públicos, das indústrias, das empreiteiras, do agronegócio.
São todos poderosos, mas nenhum chega perto das potências quase religiosas do “mercado”. Mercado que nada mais é que o somatório dos interesses e desejos das grandes empresas nacionais e estrangeiras do setor financeiro. O mercado é tão poderoso no Brasil que é o único lobby capaz de alterar os fundamentos econômicos do país para sinalizar sua repulsa ou seu amor por um candidato à presidente. Se o mercado aumenta as expectativas de inflação, de risco-país, de juros, de câmbio, ele sinaliza de modo claro à sociedade suas preferências políticas.
O mercado busca agir como uma espécie de poder moderador, acima dos demais poderes e da população do país, determinando quem pode e quem não pode ser presidente. Além de sinalizar suas preferências, demanda que os seus interesses sejam governados por gente de sua mais estrita confiança. Como também é generoso, recebendo burocratas saídos de altos postos no governo em sua folha de pagamentos.
Desde 1995, com o início do governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil teve oito presidentes do Banco Central, o BC. Apenas dois deles – Gustavo Loyola e Alexandre Tombini – eram funcionários de carreira do Bacen –, todos os demais, eram homens paridos ou atraídos pelo “mercado”.
Pérsio Arida foi o primeiro presidente do BC nesse período, ficando à frente da instituição durante apenas o primeiro semestre de 1995. Ele já havia sido diretor do BC durante o governo José Sarney, ao sair do cargo, tornou-se um dos vice-presidentes do Unibanco, então quarto maior banco do país. Ocupou essa oposição entre 1988 e 1993.
Seu pedido de demissão da presidência do BC em 1995 foi justificado como de caráter “estritamente pessoal”. A Folha de S. Paulo reportava à época que Arida teria ficado “abalado com as acusações de que teria vazado informações a amigos antes de desvalorizar o real em relação ao dólar”. Dos “amigos”, falava-se de Fernão Bracher, então presidente do banco BBA. Tais denúncias contra Arida jamais foram comprovadas, mas parecem ter pesado na sua decisão de sair dos holofotes.
No ano seguinte, o ex-presidente do BC tornou-se sócio do controverso Daniel Dantas na gestora de ativos Opportunity, que se envolveu em escândalos no processo de privatização da telefonia nacional. O nome de Arida apareceu nos processos da operação Satiagraha, a qual acabou tendo suas provas anuladas pelo STF em 2011.
Em 2008, Arida se tornou sócio do BTG, futuro BTG Pactual, junto com André Esteves. Esteves seria preso em 2015, acusado de obstrução de justiça no âmbito da operação Lava Jato, e Arida tomou a frente do banco.
Desde 1995, o Brasil teve oito presidentes do Banco Central. Só dois deles não eram homens do “mercado”.
Entre 1997 e 1999, Gustavo Franco foi o presidente do BC e só saiu quando o governo se viu obrigado a pôr fim ao sistema de câmbio (quase) fixo. No seu discurso de despedida, afirmou que estava retornando para a universidade. Mas ele decidiu, em 2000, abrir a Rio Bravo Investimentos, junto com dois ex-sócios do banco Pactual (futuro BTG Pactual), Cláudio Garcia de Souza e Paulo Bilyk.
Em 2016, a Rio Bravo foi alvo da operação Greenfield da Polícia Federal por suspeita de gestão temerária e fraudulenta de recursos de fundos de pensão do Banco do Brasil (Previ), da Petrobras (Petros) e dos Correios (Postalis). Neste ano, a mesma operação pediu investigação sobre a “participação de funcionários e executivos da Rio Bravo” em outras operações, envolvendo um estaleiro.
Gustavo Franco, hoje militante do partido Novo, o mais fiel auxiliar do PSL de Bolsonaro, foi indicado para presidir o conselho do BNDES, mostrando o quão próximas são as relações entre banqueiros privados e bancos públicos no Brasil. O Novo, aliás, nada mais é que o Partido dos Banqueiros do Brasil. Cansados de conversar com intermediários, com políticos profissionais dos grandes partidos, os banqueiros e ricaços resolveram criar um partido para chamar de seu.
Com a saída de Gustavo Franco, em janeiro de 1999, Francisco Lopes, pai intelectual do Plano Cruzado de 1986, assumiu a presidência. Assumiu mas não assumiu, pois sequer consta no rol dos ex-presidentes da instituição. Lopes foi acusado de ter feito operações em benefício dos bancos Marka, de propriedade de Salvatore Cacciola, e FonteCindam, que teriam custado ao Banco Central R$ 1,5 bilhão em valores da época. Além disso, o Banco Central era cliente de uma empresa de propriedade de Chico Lopes, chamada Macrométrica, desde 1996. Lopes acabou sendo preso em uma reunião de CPI, por se recusar a assinar um juramento. Em 2016, o processo chegou ao fim, por prescrição de prazo, inocentando todos os envolvidos no escândalo Marka-FonteCindam.
Com a breve passagem de Lopes, Armínio Fraga assume a presidência do Bacen, que ocuparia até o final do governo FHC, em 31 de dezembro de 2002.
Fraga era funcionário de George Soros havia seis anos, sendo um dos responsáveis pelo fundo de investimento Quantum Emerging Markets Growth Fund, de propriedade do bilionário húngaro. Vale lembrar que ao contrário de hoje, em que Soros é visto como um agente do socialismo global, àquela época ele era sinônimo de capitalismo-rentista-selvagem.
Já de largada, Paul Krugman chegou a acusar Soros de ter recebido informações privilegiadas de Fraga, o que o teria feito ganhar alguns milhões com papéis brasileiros. Poucos dias depois, porém, o futuro prêmio Nobel se desculpou publicamente por suas ilações.
Em 2003, Armínio Fraga se tornou sócio fundador da Gávea Investimentos, vendida em 2010 para o JP Morgan. Em 2015, Fraga recomprou sua empresa, que tinha em sua carteira àquela época mais de R$ 16 bilhões sob sua gestão.
O mercado domou até Lula
O “mercado” não queria Lula presidente. Basta olhar para o comportamento das variáveis econômicas a partir de meados de 2002. Mas Lula venceu. Sabendo ser impossível governar contra o “mercado”, o PT decidiu “beijar a cruz da ortodoxia”, como diziam os esquerdistas mais pueris à época. Lula escolheu Henrique Meirelles, que havia sido eleito deputado pelo PSDB e havia ocupado cargos elevados no Bank Boston. A frente do Bacen, Meirelles recebia US$ 750 mil anuais de seu antigo empregador, a título de “aposentadoria”.
No governo Temer, BC foi presidido por Ilan Goldfajn, que, entre 2009 e 2016, foi economista-chefe do Itaú Unibanco, o maior banco privado do Brasil. Ilan também foi sócio da Gávea Investimentos de Armínio Fraga entre 2003 e 2006.
Agora, já na gestão Bolsonaro, o presidente do Banco Central é Roberto Campos Neto, descendente do ex-presidente do BNDESe do ex-ministro do Planejamento Roberto de Oliveira Campos. Neto foi funcionário por quase duas décadas do banco Santander, tendo sido antes funcionário do banco Bozano Simonsen, fundado pelo colega de seu avô, Mário Henrique Simonsen, que foi presidente do Banco Central e ministro da Fazenda e do Planejamento durante a ditadura militar. Uma evidência anedótica sobre como a escada para o sucesso é rolante quando se tem “pedigree”.
O atual ministro da Economia, Paulo Guedes, é outra figura egressa do “mercado”. Em 1983, Guedes foi um dos fundadores do banco Pactual. Trabalhou também na gestora de ativos JGP Nextar Fund, investigada pela CVM e por uso de informações privilegiadas. Guedes é investigado por suspeita de gestão temerária e fraudulenta de recursos de fundos de pensão, algo que teria girado na casa de R$ 1 bilhão.
Paulo Guedes quer ser uma mãe para seus colegas de “mercado” e não tem pudores em esconder isso. Na sua proposta de reforma da previdência, que acabou derrotada, previa-se a implementação do sistema de capitalização no Brasil. Isso significaria que bilhões de reais de contribuição previdenciária deixariam de cair no caixa do Tesouro para irrigar o mercado financeiro brasileiro.
Num evento realizado pela XP Investimento, de quem o Itaú é dono de 49,99% das ações, disse: “no sistema de capitalização, esses recursos (das contribuições previdenciárias) teriam uma XP previdência que ia captar recursos no Brasil inteiro, aplicar esses recursos”.
A capitalização não saiu, mas a promessa era suculenta. Não é de graça que Guedes foi tratado como rockstar pelos participantes daquele granapalooza. As promessas de privatização também deixam o “mercado” com os pelos eriçados. A venda da BR Distribuidora, de quase R$ 10 bilhões, foi o maior negócio da bolsa brasileira desde 2015.
E quem comprou a BR Distribuidora? Empresas como Itaú, XP, Santander, Credit Suisse, JP Morgan… Gente daquela mesma turma que chamava Deltan Dallagnol para uma reunião secreta para discutir os rumos do país e das eleições.
O fato é que os bancos mandam no país. Seus representantes são escolhidos para gerir a política monetária, e os gestores de política monetária são escolhidos para entrar nas folhas de pagamento dos bancos, em uma cobiçada porta giratória BC-mercado, que fez com que todos os envolvidos se tornassem ricaços.
Trata-se de um pequeno comitê de iluminados que se revezam no controle da política monetária brasileira e gestão dos bancos privados, numa relação promíscua que diz muito sobre nossa institucionalidade. É um jogo de ricos. A nós nos resta pagar as parcelas da fatura do cartão de crédito e rezar para não cair no cheque-especial.
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Fonte: https://theintercept.com/2019/09/25/bancos-lucram-enquanto-economia-afunda/
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