Pessoas que curtem tecnologia costumam parar o que estão fazendo em uma tarde de junho, ano após ano, para acompanhar a WWDC, o evento anual da Apple para desenvolvedores. Já virou tradição o anúncio das novas versões dos sistemas da empresa que, em setembro, chegam ao grande público. Em 2019 não foi diferente, salvo pelo anúncio da nova geração do Mac Pro — desde já carinhosamente apelidado de “ralador de queijo”.
Falar de Apple na atual crise que o Brasil enfrenta e com os preços estratosféricos que a empresa pratica é quase como discutir o sexo dos anjos, mas ainda que estes produtos sejam para poucos — e cada vez menos —, a cobertura em alguma medida se justifica por dois fatores: 1) A Apple é muito influente e suas ações reverberam por toda a indústria; e 2) Os produtos são bem legais.
Ontem, o Manual do Usuário acompanhou em tempo real a abertura da WWDC no Twitter. Agora, após digerir tudo o que foi anunciado, destaco cinco aspectos que me chamaram mais a atenção.
1. iOS 13 e a falácia do “modo escuro”
Em 2018, o macOS Mojave ganhou um “modo escuro” no nível do sistema. Agora foi a vez do iOS 13 receber o mesmo tratamento. O marketing da Apple e de outras empresas que oferecem esta alternativa é de que interfaces escuras agridem menos a visão. E, convenhamos: após décadas assistindo a filmes em que os personagens mais legais fazem suas peripécias cibernéticas em telas pretas com texto branco ou verde fosforescente, a opinião de que elas são mais legais está quase impregnada no inconsciente coletivo.
A realidade, porém, conta outra história. Se telas escuras são mesmo melhores, por que as abandonamos em meados dos anos 1980 e passamos quase 40 anos com as claras? Surpresa: porque o modo escuro é pior. Adam Engst publicou um bom artigo no Tidbits dias antes da WWDC demonstrando, embasado por pesquisas científicas, que as interfaces escuras cobram um pedágio da nossa atenção e capacidade cognitiva e que as telas tradicionais (fundo branco com texto preto) são melhores até mesmo no conforto visual.
Há pessoas e casos bastante específicos que se beneficiam de telas escuras e não se pode negar que o macOS e o iOS ficam mais descolados com um visual “dark”. E em telas OLED, o preto profundo gera uma economia de energia. (Lembre-se, porém, que nenhum computador da Apple usa painel OLED.) De qualquer maneira, resista ao marketing e atente ao que importa: a intensidade do brilho. Não seja o chato do ônibus que mexe no celular de madrugada com o brilho no máximo. Incomoda as pessoas ao seu redor e, se isso não for o bastante, machuca seus olhos.
Ainda sobre o iOS 13: finalmente mudaram aquele indicador visual do controle de volume. Em vez de um quadrado espalhafatoso bem no meio da tela, agora é um slide discreto à esquerda, na altura dos botões físicos do volume (vídeo daqui):
Na seção “novidades em 2019 que poderiam ter chegado em 2012”, agora o teclado nativo suporta a digitação por deslize (“swipe”). Na Apple, ganhou o nome de “Quick Path”.
Por fim, os iPhone 6, 6 Plus e 5s não serão atualizados. Quando o iOS 13 for lançado, eles terão cinco e seis anos de mercado, respectivamente.
1.5. Sobre o novo iPadOS
Agora o iOS tem um novo nome no iPad. Chama-se iPadOS, mas no fundo é o iOS com recursos exclusivos para o iPad — como já vinha acontecendo há algumas versões. Tanto que todas as novidades do iOS 13 estão contempladas no novo iPadOS também. Na prática, é só marketing.
Das novidades, o iPadOS ganhou suporte a mouse (é uma opção de acessibilidade), o Arquivos está ainda mais parecido com o Finder e ele agora lê arquivos direto de pen drives, câmeras e cartões microSD conectados à porta USB-C dos iPad Pro mais recentes. A “macOS-ficação” do iPadOS segue forte.
Os iPad mini 2, mini 3 e Air não serão atualizados para o novo iPadOS.
2. O novo Mac Pro é “caro”
O novo Mac Pro começa custando US$ 6 mil. A Apple ainda não revelou os preços dos componentes extras, mas é uma aposta fácil que se você acrescentar umas placas aqui e aumentar a memória ali, o computador custará um carro popular. Quer usá-lo com o novo monitor bacana da Apple, o Pro Display XDR? Cavuque o bolso e tire mais US$ 5 mil. Ou US$ 6 mil, se você quiser ele com o suporte de mesa oficial da Apple — apenas o suporte custa US$ 1 mil e, ok, isto é meio sacana.
São preços salgadíssimos, mas nada de outro mundo.
Antes que você me xingue de burguês ou qualquer outro termo pesado do tipo, explico-me: estamos falando de equipamentos profissionais. Ninguém em sã consciência compraria um Mac Pro para fazer TCC, jogar Fortnite ou atualizar o Face da padaria do tio. Quem compra esse tipo de coisa renderiza animações pesadas, faz simulações e projetos de engenharia complexos, compila aplicativos gigantescos… você entendeu: é gente que se beneficia do poder de processamento e das possibilidades de expansão que o novo Mac Pro oferece. E gente rica sem noção, mas esses você pode xingar à vontade.
Para contexto, vejamos este artigo sobre sistemas recomendados para rodar o Revit, de um site de entusiastas de produtos da Autodesk:
[…] Preço é o componente-chave a equilibrar, mas em minha experiência você pode ficar na faixa dos US$ 5 mil e ter uma ótima máquina que durará alguns anos de novas versões do Revit e recuperar o investimento dentro do primeiro ano [de uso].
São computadores em que você dá um comando e espera algumas horas ou dias para o trabalho ser finalizado — no melhor cenário. E que custam milhares de dólares, como o Dell Precision 7920 ou as workstations da Boxx, por exemplo.
“Ah mas meu primo montou um PC fera com peças do Mercado Livre”. Sim, mas na hora que ela der pau — e ele vai dar, porque o PC do seu primo não foi pensado para trabalhar sob condições extremas —, a empresa que depende do equipamento vai querer um suporte on-site, ágil e que tenha obrigações contratuais, não um punhado de lojinhas de esquina que vendem no Mercado Livre ou o seu primo, por mais legal e competente que ele seja.
E, veja, são computadores caríssimos, mas porque estão em uma categoria caríssima. Como alguém comentou, Mac Pro não é computador de pessoa física, é equipamento comprado por empresas.
É a mesma lenga-lenga que sempre acontece no anúncio de novos MacBooks. De fato eles são caros, mas sabe quem cobra R$ 100 a mais por um notebook equivalente? A Dell: R$ 10,4 mil no modelo de entrada do XPS 13 contra R$ 10,3 mil do MacBook Air. E a Lenovo, cobrando R$ 15,2 mil no ThinkPad X1? Para ser justo, o EliteBook x360 da HP tem um preço inicial menor, mas não muito — sai por R$ 9,9 mil.
3. Privacidade continua em alta
A Apple continua fechando o cerco dos desenvolvedores que abusam da sua plataforma para explorar a privacidade dos usuários. Algumas novidades importantes nesse sentido anunciadas na WWDC:
- As diretrizes da App Store foram atualizadas para proibir desenvolvedores de apps destinados a crianças de colocarem publicidade e sistemas de analytics de terceiros. A novidade se soma às proibições de links para fora do app e de compras dentro do app.
- Vários aplicativos que têm a permissão de acesso à localização do usuário negada conseguem-na mesmo assim recorrendo aos dados de Wi-Fi e Bluetooth, que ficam o tempo todo tentando se comunicar com outros aparelhos próximos. Isso é bem útil, mas era uma porta aberta para abusos. Porta esta que a Apple promete fechar no iOS 13. Além disso, o sistema emitirá alertas quando algum app tentar obter a sua localização em segundo plano.
- Outra mudança na mesma área é que, agora, o usuário terá a opção de conceder à sua localização a um app apenas uma vez em adição às três opções tradicionais — “sempre”, “nunca” e “durante uso do app”. Resta saber como será a implementação; imagino que o ideal seja voltar a oferecer as opções toda vez que o usuário optar por “apenas uma vez”.
A Apple também anunciou um sistema de identificação e autenticação para apps e sites de terceiros. É similar ao “login com Facebook” ou “login com Google” que ambas oferecem há anos, mas com foco na privacidade: o usuário pode gerar um e-mail-máscara para não repassar seu endereço verdadeiro caso o app ou site o solicite. Simples e eficiente, afinal bastarão alguns toques para desativar para sempre este e-mail-máscara e mesmo que ele vaze ou seja vendido a terceiros, seu e-mail verdadeiro estará a salvo.
Esta opção de autenticação será obrigatória a todos os apps que oferecerem o mesmo recurso usando outro sistema como o do Facebook ou do Google. Por que alguém usaria o do Facebook ou o do Google, feitos para extrair dados do usuário, quando tem à disposição o da Apple, feito para proteger dados? É uma boa pergunta.
Todas essas novidades são muito bem-vindas e reforçam o posicionamento da Apple como a empresa mais inclinada à privacidade entre as grandes de tecnologia. Ainda existem arestas a serem aparadas, mas as diferenças no discurso e nas ações para um Google da vida são quase palpáveis. O que, por um certo ângulo, é uma pena: por não atuar nos segmentos de entrada e intermediário, a Apple restringe suas experiências livres de vigilância e publicidade agressiva a uma fatia privilegiada. Torna a privacidade um luxo. Não deveria ser assim.
4. Apple Watch é cada vez mais um gadget de saúde
O Apple Watch ganhou novos apps nativos: Áudiolivros, Gravador de voz e Calculadora. Agora, também, a App Store está inteira dentro do relógio, dispensando um iPhone para obter novos apps e gerenciar atualizações. Mas o que chamou a atenção, mesmo, foram as novidades voltadas à saúde:
- O watchOS 6 tem um sistema que monitora o som ambiente e avisa o usuário quando os volume atinge níveis prejudiciais aos ouvidos.
- Um novo app ajuda o usuário a se lembrar de tomar seus remédios.
- Outro app, dedicado às mulheres, controla os ciclos menstruais.
Este último tem um aspecto importante: o da privacidade. Sobram denúncias de apps de controle do ciclo menstrual que comercializam esses dados das usuárias com terceiros. São dados extremamente sensíveis! Mais uma vez a Apple se impõe em uma categoria quando os desenvolvedores não entregam soluções a par do nível de privacidade que se espera da plataforma.
5. Adeus, iTunes
Reza a lei de Zawinski que:
Todo programa tenta se expandir até ser capaz de ler e-mail.
A Apple fez piada com o iTunes no palco da WWDC, dizendo que embora o app já faça muita coisa, os consumidores querem mais. Calendário no iTunes? Sim! Safari? Por que não? E o Mail, óbvio.
Era uma piada para falar o óbvio: o iTunes inchou a ponto de se tornar insustentável. A solução da Apple foi quebrá-lo em novos apps especializados. Assim, no macOS Catalina (sim, é este o nome do 10.15), o Música, novo app para ouvir música local e do Apple Music, só faz isso: toca música. Como era o iTunes no início. Os outros dois são o Podcasts e o Apple TV. O gerenciamento de backups de dispositivos iOS foi embutido no Finder, onde faz mais sentido.
Os apps nativos foram atualizados, ganhando os mesmos recursos das suas contrapartes no iOS. Isso já ocorre há anos e embora alguns torçam o nariz para a “iOS-ficação” do macOS, vejo com bons olhos a paridade em recursos.
O ótimo Tempo de tela do iOS estará no Catalina e as estatísticas de uso serão contabilizadas em conjunto com as do iOS. Finalmente saberei quanto tempo da minha vida tenho gasto olhando para telas.
Para ficar de olho: a Apple oficializou o Project Catalyst, iniciativa que permitirá a qualquer desenvolvedor portar seu app feito para iPad para o macOS. A promessa é de que a conversão seja fácil e que o novo app aproveite os diferenciais e respeite as características únicas dos computadores com teclado e mouse. O que vimos até agora — apps do Mojave como Bolsa, Gravador de Voz e Casa — não empolgou muito, mas é um caminho fácil e até natural para facilitar a vida do desenvolvedor e aumentar a variedade de aplicativos no macOS.
Foto do topo: Apple/Divulgação.
Fonte: https://manualdousuario.net/
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